A maior mudança já feita no sistema usado no iPhone – e também no iPad – reflete tentativa da fabricante de agradar aos consumidores que já estão acostumados aos produtos da empresa; novidades, porém, já foram vistas em aparelhos concorrentes
Augusto Calil
Especial para o ‘Estado’
SÃO FRANCISCO – Empolgante para muitos, frustrante para alguns, a apresentação que deu início à conferência anual para desenvolvedores organizada pela Apple em São Francisco trouxe novidades esperadas, surpresas e muito assunto para a especulação de consumidores e especialistas. A fabricante dos iPhones, iPads e Macs mostrou uma versão nova do seu popular sistema iOS, um serviço de música via streaming e a mais recente versão do seu sistema operacional Mac OS X.
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Apesar do esforço da empresa para mostrar que está empenhada no desenvolvimento de novas tecnologias, para alguns analistas a ausência de ideias verdadeiramente revolucionárias seria a confirmação de algo que investidores já suspeitavam desde o começo do ano. Antes descrita como a casa das novas ideias, a Apple parece agora preocupada em defender o território conquistado diante das investidas da concorrência.
“Os investidores gostaram do que a Apple mostrou, mas as empresa parece mais preocupada em manter satisfeitos os usuários atuais do que em expandir seu público consumidor”, diz o presidente da consultoria Creative Strategies, Tim Bajarin.
Na avaliação do professor de engenharia e design da Universidade Stanford, Paul Saffo, o tão esperado iOS 7 – nova versão do sistema usado em iPhones e iPads – “é mais uma evolução do que uma revolução”. “A grande vantagem da Apple está no controle absoluto que a empresa tem sobre toda a sua família de produtos”, diz ele. “Se o novo design for realmente consistente em todos os níveis e aplicativos, a experiência do usuário será muito diferente da proporcionada pelo Android, no qual diferentes fabricantes implementam ajustes individuais para se diferenciarem uns dos outros.”
Apesar das reações exaltadas de parte do público que assistia à apresentação da empresa, a Apple parece ter se tornado vítima do seu recente histórico de sucesso, segundo analistas que acompanham a empresa.
“A expectativa dos consumidores se tornou alta demais. Em seis anos, a Apple lançou dois produtos diferentes que transformaram a computação, mas alguns a criticam por não fazê-lo de novo,” diz o analista Charles Golvin, da consultoria Forrester Research.
Assimilação. Outra crítica à empresa é a semelhança entre as novidades apresentadas e as características já presentes em produtos de fabricantes concorrentes. Se, por um lado, a Apple incorporou recursos populares em outras plataformas, por outro, lançou versões próprias de serviços para concorrer com rivais estabelecidos.
O serviço de música online iTunes Radio e o iWorks para o iCloud – pacote de programas de produtividade que pode ser usado online – são concorrentes diretos dos serviços de música via streaming (Pandora, Rdio, Spotify) e dos conjuntos de aplicativos de produtividade que funcionam na web (Google Docs, Office 365).
“A Apple anunciou um serviço de música perfeitamente adequado aos usuários do iTunes, mas nada do que foi mostrado pela empresa altera o equilíbrio entre os rivais”, diz James McQuivey, também da Forrester Research. “ Se os apps Pandora e Spotify forem mantidos na App Store, essas empresas não têm motivo para preocupação”, afirma.
Outros, porém, discordam, e acham que o novo serviço de música online – que chegará aos usuários apenas dos EUA no segundo semestre – tem, sim capacidade de se tornar um destino popular para consumir música.
“A possibilidade de ouvir uma música e comprá-la com facilidade será bem recebida pelos usuários, e deve causar impacto nos concorrentes que contam com um modelo de assinaturas”, diz Bajarin, da Creative Strategies.
Além de já ter uma boa base de usuários que consomem música digital, a Apple ainda pode se aproveitar dos dados sobre compra e gosto musical de cada usuário para criar um serviço de streaming personalizado. “Graças ao iTunes, a empresa já tem muitas informações a respeito do gosto de seus consumidores. Em tese, isto possibilita recomendações mais relevantes”, diz Golvin, da Forrester.
Reação. Os novos recursos anunciados para o iOS 7 seguem uma lógica semelhante: por mais que sejam inspirados pela concorrência, devem ser bem recebidos pelo público. “O novo Control Center (tela com atalhos para as principais configurações do aparelho, como Wi-Fi)traz funcionalidades que já estavam disponíveis no Android. Mas o recurso multitarefa é uma inovação importante”, diz Golvin.
A maior surpresa ficou por conta do novo Mac Pro, com gabinete em formato cilíndrico, que chega às lojas no fim do ano (o preço não foi divulgado).
Voltado para o mercado de alto desempenho e recebido com efusivos aplausos da plateia que assistia ao evento, o novo supercomputador surpreendeu tanto por seu poder de processamento quanto pelas dimensões reduzidas, além do fato de que será fabricado nos Estados Unidos. Na saída da apresentação, era grande a aglomeração em volta das unidades do Mac Pro protegidas por cilindros plásticos no saguão do centro de convenções.
Às escondidas. As ideias mais ousadas receberam menos destaque. Em meio à empolgação geral diante do novo iOS 7, pouco se falou da breve apresentação da Anki, empresa especializada em robótica e inteligência artificial recém-chegada ao mercado de aplicativos.
Numa bem-humorada demonstração durante o evento, o cofundador Boris Sofman trouxe ao palco carrinhos semelhantes aos de autorama, programados via iPad, para uma corrida de verdade numa pista virtual. Cada veículo corrigia a própria trajetória, evitando colisões. Com poucos cliques, o comportamento dos carrinhos foi alterado para “agressivo”, impedindo ultrapassagens e resultando numa batida que levou o público às gargalhadas.
Valendo-se da simplicidade dos jogos casuais do iPad, a proposta da empresa representa mais uma direção inovadora no setor de games, transpondo a barreira da tela e materializando-se como brinquedo.
Apesar da ênfase da Apple na superioridade de seus produtos, os anúncios não compensaram a falta de uma ideia revolucionária – que é sempre esperada. “Se os desenvolvedores ficarem contentes, esse é um bom sinal de que os consumidores também ficarão satisfeitos”, diz o professor Paul Saffo.
Designer britânico liderou a mudança visual no sistema
O redesenho feito pela Apple no iOS 7 se deve principalmente ao trabalho liderado pelo britânico Jonathan Ive, o designer por trás da maior parte dos produtos da Apple desde o iMac (a linha de computadores de mesa lançada pela primeira vez em 1998, que vinha em diversas cores).
No iOS 7, “Jony” Ive, como é chamado, adotou texturas mais planas, deixou a tipografia mais fina e, principalmente, aboliu o uso de desenhos que se assemelham a objetos do mundo físico para indicar algumas funções do sistema – algo que era defendido por Steve Jobs, por facilitar a compreensão. Em um vídeo promocional da Apple, Ive afirmou que o objetivo do novo visual é “trazer ordem para a complexidade”./Filipe Serrano
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• Link no papel – 17/6/2013